Da revista Época: 27 de maio de
2013
Por Ruth de Aquino
As mentiras, os fatos e o tornado Joaquim
O Brasil também tem seu tornado – e ele se chama Joaquim
Barbosa. Por muitas vezes ainda, o presidente do Supremo Tribunal Federal
exercitará seu temperamento explosivo. Essa impulsividade cobra um preço alto
em sua coluna lombar. E joga destroços no lombo de muita gente no Planalto.
Acho sensacional quando o redemoinho da verdade atinge nossos políticos.
O tornado Joaquim só espalha o que todo mundo diz. Que os
partidos são “de mentirinha”. Que “o grosso dos brasileiros não vê consistência
ideológica e programática em nenhum dos partidos”. Que “os partidos e seus
líderes não têm interesse em ter consistência” e “querem o poder pelo poder”. E
que o Congresso prima pela ineficiência e submissão ao Executivo.
Joaquim falou como professor, em palestra no Instituto de
Educação Superior de Brasília. Não é desculpa. Ele pode ser tudo, menos
ingênuo. Sabe que qualquer coisa que fale, ainda mais espinafrando, tem hoje o
peso da toga e da posição no STF. O juiz supremo recebeu bordoada de todo lado.
O presidente da Câmara, Henrique Alves, disse que “uma declaração desrespeitosa
como essa não contribui para a harmonia constitucional”. O presidente do
Senado, Renan Calheiros, disse que a declaração não ajuda “o fortalecimento das
instituições”.
Joaquim – é pelo primeiro nome que o povo o conhece e o
aplaude nas ruas – não negou nem voltou atrás, apenas afirmou ter falado como
acadêmico em recinto fechado. Ora, ministro, paredes não resistem a tornados.
Joaquim acha mesmo tudo o que disse. Na concepção de Alves e Renan, temos então
no STF um golpista, um revolucionário, um juiz que joga contra a democracia e
quer ver o circo pegar fogo. Menos, menos.
O roteiro da costura de alianças para 2014 é pior que na
última novela da Globo, Salve Jorge. Estamos assistindo a “Salve-se quem
puder”. É constrangedor acompanhar as cambalhotas de PT, PMDB, PSDB e PSB em
busca de votos e palanques. Todas as declarações para a imprensa têm um quê de
ameaça, chantagem, destempero, falsos beijos e tapinhas nas costas. Os slogans
são pífios, os discursos são gritados. Como seria bom mandar todos os
candidatos para a Capadócia, dar um tempo no noticiário político. Há uma imensa
carência de ideias e programas. Capítulo após capítulo, vemos uma guerrinha de
personalidades, saias justas, jantares conspiratórios.
Acompanhamos boquiabertos a manipulação de estatísticas
jogadas para baixo – como os índices de inflação e o total de miseráveis. No
fundo, a realidade dos políticos é rasa. A governadora Roseana Sarney só
pressiona por mais uma ajudinha de R$ 1,5 bilhão para o Maranhão, o Estado que
desmoraliza o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Pensando bem, o pedido de
Roseana não é nada para um governo federal que gasta com 39 ministérios, em 17
prédios, a fortuna anual de R$ 58 bilhões, mais que o dobro do Bolsa Família.
Falar contra esse escândalo do toma lá dá cá também atenta contra a democracia?
Essa gastança é imposta a todos nós, que já sentimos a inflação pesar a cada
visita ao supermercado. Não dá para enganar todos o tempo inteiro.
Será que o comportamento errático do Congresso e de nossos
partidos colabora para “o fortalecimento das instituições”? Esqueçam Joaquim e
olhem para seu próprio umbigo. Ah, a Justiça também tem sua parcela de culpa.
Várias decisões do STF nos últimos anos contribuíram para tornar os partidos
pouco representativos. As falhas do Judiciário não desmerecem, porém, o
discurso de Joaquim por um Legislativo mais eficaz. Com objetivos mais nobres,
que honrem o espírito público. É só ter mais coerência e princípios. Mentir
menos. Tudo isso ajudaria, sim, na democracia. Ajudaria a votar com gosto e
convicção.
As críticas de Joaquim aos partidos encontram um eco poderoso
no mais novo indicado ao STF: o advogado Luís Roberto Barroso. Ele sempre
defendeu uma reforma política abrangente, “que desça à raiz do problema” e
combata “a corrupção e o fisiologismo”. Barroso critica Fernando Henrique
Cardoso e Lula: “Nem FHC nem Lula tentaram mudar o modo como se faz política no
Brasil. (...) Eles aderiram a esse modelo de presidencialismo sem base
ideológica, com eleições em que se vota em candidatos, e não em partidos”. Traduzindo
para o português corrente: nossos partidos são de mentirinha.
O tornado é um intenso redemoinho de vento que ocorre quando
uma nuvem em movimento alcança a terra. No Brasil, esse fenômeno costuma
ocorrer quando se dá o microfone a Joaquim.
Dilma, por favor, aprenda a chutar a bola, e não o gramado.
O mundo está de olho na senhora.