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O sol por testemunha

fonte: DIÁRIO DO NORDESTE
caderno3

COLUNA
Gervásio de Paula
caderno3@diariodonordeste.com.br
09.10.2013

O sol por testemunha

Ontem eu vi uma das coisas mais belas da natureza, que, embora comum no Ceará, causa sempre um estranhamento de beleza. O sol, como uma grande bola no céu, se punha a minha frente e me fazia crer que o mundo é muito maior do que domina o homem. Os últimos acontecimentos de troca de partidos na cena cearense, me lembrou que tentar ocupar o lugar do sol não é tarefa fácil e muito improvável de ser alcançada.
Me recordei da minha trajetória partidária e o que aprendi com ela. Como fui me construindo como sujeito a partir dessa experiência e o que significa ser partidário de um projeto político. Lá pelas décadas de 1950 e 1960, só existia um partido clandestino, que era o PCB. Embora fosse clandestino, era o partido com o maior número de adeptos. Elegias senadores, elegeu Prestes, muita gente famosa.

O partido tinha um amplo quadro de militantes, das mais diversas classes sociais. Sapateiros, operários, empregados da REFFSA, comerciantes. Só quem concorria com o PCB era a Igreja Católica, que chegou a espalhar que comunista comia criancinha para não perder seus fiéis. Como se ser do PCB significasse fazer parte de outra religião que levaria os adeptos católicos para outros rumos. O partido àquela época tinha muita força, chegou até a ser autossuficiente, no entanto, a melhor experiência eram as células que estavam espalhadas pelas comunidades. Foi em uma delas que tive o primeiro desejo de me partidarizar, aos sete anos de idade. Meu pai era do partido e fazia parte de uma célula. Eu nem tinha entrado na escola ainda, pois no meu tempo só havia ensino formal a partir dos 7 anos. Meu pai então não permitiu que eu entrasse no partido com a seguinte justificativa: "Meu filho, só entra no PCB quem estuda muito ou quem vive trabalhando em fábrica". Era essa a imagem que ficava, era um partido operário ou de intelectuais.

O PCB também tinha dos seus conservadores, que são diferentes dos reacionários. Meu pai era um conservador, tanto era que ia ao mercado comprar um sapato para minha mãe e media o seu pé em casa, para não deixá-la sair para comprá-lo. Mas esse era o homem de seu tempo, com a fragilidade que a masculinidade exigia, embora tivesse muito compromisso com um outro mundo possível. Eu, finalmente, ingressei no PCB aos 17 anos e transmiti muitos jogos de futebol para o partidão. Eu entrei no partido, não porque entendesse à época profundamente a luta de classes, mas pela beleza que via naqueles grupos que se organizavam em cada célula pensando um outro mundo, uma outra sociedade. Existia um compartilhamento de ideias e informações muito frequente, a partir dos pequenos jornais, dos panfletos nas portas de fábrica, pichações e nas reuniões clandestinas que aconteciam na calada da noite.
As pessoas se formavam naqueles espaços, se transformavam em outras pessoas. Para usar o termo de Paulo Freire, ali se promovia a autonomia dos sujeitos para pensar a vida e a política. Obviamente, ali também se conspirava, se pensavam estratégias de derrubada de governos. Fomos nós que elegemos Getúlio no seu segundo mandato, com o apoio de Prestes na sua saída da prisão. O PCB tinha a hegemonia do movimento operário brasileiro e foi responsável pela derrota de Juarez Távora e do Brigadeiro Eduardo Gomes, com a eleição de Getúlio.

O PCB passou pouco tempo na legalidade nesse período. Com a morte de Getúlio e a queda de Jango, o golpe militar trouxe os momentos de maior dificuldade e maior atividade do PCB. O partido sentiu na carne a luta pela democracia. Perdeu muitos de seus quadros e foi testemunha da tortura militaresca aos ativistas.

Ali se pensava uma sociedade junto com a sociedade. Nas ruas e vielas, nas casas de amigos da revolução, nos bares células, nas gráficas, nas esquinas de fábricas. O pedreiro, o encanador, o jornalista, o músico, o ascensorista, o dono da bodega da esquina, o escritor discutiam política e defendiam uma outra política. Se exacerbavam, discordavam, se solidarizavam com a perda de alguém querido, se cotizavam para pagar o aluguel de alguém que estava na pior, faziam o corte de cabelo de graça para o companheiro de partido e ali se vivia o mais bonito dos processos coletivos de construção de uma outra via.
A radicalidade foi amornando ao longo do tempo, mas a perspectiva coletiva partidária se mantinha. Fomos responsáveis por parte da reforma constitucional, a reforma da saúde está permeada pelos companheiros de partido, a exemplo de Sergio Arouca e muitos outros. Estes homens não queriam se transformar no sol mas queriam que esse sol fosse visto e compartilhado por todos. Já, na atualidade, nenhum constrangimento haverá se alguma confraria política não partidária expuser em cada esquina reluzentes placas, com os dizeres: "Vendem-se legendas e almas".


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