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1964: cenas e consequências (2)

FONTE: JORNAL O POVO
OPINIÃO

ARTIGO 03/06/2014 

1964: cenas e consequências (2)

A experiência da ditadura civil-militar brasileira representa 1/3 da minha história pessoal e foi, radicalmente, contemporânea das epifanias de minha juventude, tendo por centro a vida universitária e a única militância partidária. O período da ditadura vai, grosso modo, de 1964 a 1985, o curso de Medicina, de 1969 a 1975 e a vinculação à juventude comunista do PCB, de 1967 a 1977.


Lembro que o desenrolar do milagre econômico, permissão para as classes médias urbanas brasileiras adquirirem televisão e irem a Miami pelo crediário, ocorreu simultânea com as torturas nos porões. Sobretudo lembro que certo gosto romântico pela grandeza precisava conviver com estranho cotidiano: um reitor da UFRJ, quando perguntado sobre o modo dos soldados entrarem no campus, respondera “só por meio do vestibular, general”, enquanto eu via, na UFC, o temor reverencial do “meu filho, esta revista que você quer lançar, até o CPOR já sabe”. O que o CPOR tinha a ver com tais censuras, que tecnologia dispunha para saber o que era apenas uma intenção comunicada ali ao diretor?


E os porres de tristeza quando, nas festinhas produzidas fora do campus, para fazer fundo financeiro que remunerasse os advogados dos presos políticos, cada vez acorriam menos frequentadores e sobrava mais caipirinha, enquanto cada vez mais crescia o número dos prisioneiros, órfãos de qualquer direito. Sobrava um niilismo desesperado que levou muitos para a dependência química, outros para a adesão a igrejas e cultos da nova era, ainda outros para as ações guerrilheiras. E eu ficando sozinho com minha estranha lucidez, marginal entre marginais.


Mas amei, casei, tive meus três filhos, bacharelei-me, optei pela psiquiatria como especialidade clínica e pela saúde coletiva como ordenadora da minha práxis de professor e pesquisador. No limite da loucura humana foi possível ser feliz, a despeito dos sequestradores de esperança, que ainda nos rondam, estimulando desamparos, desesperos e violências para concentrar riqueza e poder.



Jackson Sampaio

jose.sampaio@uece.br
Professor titular em Saúde Pública e reitor da Uece

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