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caderno 3
diário
do nordeste
COLUNA
Ferreira Gullar
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02.03.2014
RESISTIR É PRECISO
Fui ao CCBB aqui no Rio para ver
a exposição "Resistir é preciso...", organizada pelo Ministério da
Cultura e Instituto Vladimir Herzog, uma das diversas manifestações que
assinalam os 50 anos do golpe militar que, em 1964, depôs o presidente João
Goulart. Tais manifestações parecem demonstrar o repúdio da sociedade
brasileira àquele regime e a todo e qualquer regime que pretenda cercear a
liberdade dos cidadãos.
A exposição é bem montada com
fotos, desenhos, pintura e pensamentos que expressaram a resistência à ditadura
militar. Mas se sente falta de referência a personalidades e atividades que
desempenharam importante papel na luta de resistência ao regime autoritário.
Lembrei-me, por exemplo do show
"Opinião", escrito por Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo
Pontes, dirigido por Augusto Boal e interpretado por Nara Leão, Zé Kéti e João
do Vale.
Esse show foi a primeira
manifestação de resistência ao regime militar, pois estreou no dia 11 de
dezembro de 1964, isto é, oito meses após o golpe. O público se sentiu
expressado naquele espetáculo, sem nenhuma dúvida, tanto assim que o teatro
lotava com um mês de antecedência. Por que não há qualquer menção a ele na
exposição?
Após esse show, o mesmo grupo
teatral montou "Liberdade, Liberdade" escrito por Millôr Fernandes e
Flávio Rangel, que também o dirigiu. De novo, casa cheia. Os militares,
sentindo-se criticados, tentaram tirar a peça de cartaz, provocando um
conflito, com homens armados (como se viu depois) a vaiar o espetáculo e
acusá-lo de comunista. Era, sem dúvida, uma denúncia do autoritarismo do
regime. No entanto, não há qualquer referência a ele na exposição do CCBB.
Como também não há referência à
peça "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", outro sucesso
de bilheteria que criticava a ditadura. A ideia de escrevê-la foi do Vianninha,
temeroso da censura que acabara de proibir o "O Berço do Herói", de
Dias Gomes, dirigido pelo Abujamra. Para burlar os censores, devíamos escrever
uma obra-prima, do ponto de vista teatral e literário. Foi o que se tentou
fazer.
A peça passou na censura e ganhou
todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Há alguma referência
a ela na mostra do CCBB? Não, nenhuma. Como também não há referência a
"Arena Canta Zumbi", de Gianfrancesco Guarnieri, nem aos demais
espetáculos montados por outros grupos de São Paulo, do Rio e de outras
capitais brasileiras.
Os organizadores dessa exposição
parecem ignorar o papel desempenhado pelo teatro brasileiro na luta contra a
ditadura. E a Passeata dos Cem Mil? Há dela apenas uma foto ali. Nenhuma alusão
ao fato de que foi realizada graças à atuação da classe teatral, com o apoio
logístico do Partido Comunista Brasileiro.
Mas não é só isso. Ênio Silveira,
desde 1965, editou uma revista chamada Civilização Brasileira (que depois se
chamou Encontros com a Civilização Brasileira), que publicava ensaios, artigos,
poemas, entrevistas, reportagens, denunciando os abusos do governo militar e
analisando os fatores que o determinaram. Essa revista foi editada durante 15 anos,
resultando na prisão de seu editor. Não há menção a ela na exposição
"Resistir É Preciso...".
Sem dúvida alguma, ao se falar do
regime autoritário, não se pode esquecer aqueles militantes que escolheram a
luta armada como o caminho correto para combatê-lo. Nem todos concordavam com
isso, e pode-se dizer que essa era opinião da maioria das pessoas engajadas na
luta, e com razão, pois era um equívoco. Não obstante, quem se dispôs a essa
aventura demonstrou coragem e desprendimento.
A exposição faz referência a eles
e particularmente aos que foram mortos pela repressão. Está certo. O que não
está certo é não fazer qualquer referência àqueles que, optando pela luta
pacífica, foram igualmente presos, torturados e mortos. Basta dizer que, de
1972 a 1974, um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado, mas a
exposição, se não me engano, não alude a eles.
Lula, porém, aparece ali como um
exemplo de resistente. Está certo, mas por que não aparecem outros líderes como
Fernando Henrique, José Serra, Miguel Arraes e tantos outros? Deve ter havido
alguma razão para isso, mas não sei qual seria.
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