Jornal de Hoje
O POVO
TENDÊNCIAS
13/10/2012
[FUTURO] As chaves para um mundo desejável
O futuro pode ser como você quiser. Quem
provoca é a pesquisadora Lala Deheinzelin. Mas para o mundo sustentável existir
é preciso despertar nas pessoas a base do processo colaborativo: a confiança no
outro
O mundo desejável está previsto para
2042. Será o lugar onde a confiança no outro vai ampliar as possibilidades de
colaboração em sociedade e teremos uma economia sustentável e um ambiente de
harmonia. Quem anuncia é a pesquisadora Lala Deheinzelin, atriz e autora livro
Desejável Mundo Novo. Em entrevista por telefone ao O POVO, Lala diz que a
grande chave da economia do futuro vai passar pela maneira como definimos
riqueza. Tudo vai mudar a partir de uma tomada de consciência de que se eu
preciso usar, não necessariamente preciso ter.
Ela provoca e dá as luzes para um
mundo que em oito anos já seria possível, que em alguns lugares do planeta já
se materializa e que aqui em Fortaleza já mudaria muita coisa se nós
trocássemos os espaços com ar condicionado por ambientes que aproveitassem os
bons ventos que por aqui sopram.
O POVO - De acordo com o livro, o
mundo desejável existirá em 2042. Por quê essa data?
Lala Deheinzelin - Porque é quando
acontece a Rio+50. E tem uma outra razão, em 2042 vai ter passado uma geração,
em geral as mudanças só acontecem em uma nova geração.
OP - Nós somos desencantados com o
futuro?
Lala - As pessoas não estão
desencantadas, mas a grande mídia, o cinema... As notícias da grande mídia só
falam de tragédia. E, na verdade, a gente fica desanimado com o futuro. Achamos
que ele não existe, mas o futuro pode ser o que se deseja que ele seja. Se
desejamos um mundo, podemos construi-lo.
OP – Então a grande mídia atrapalha a
construção de um futuro melhor?
Lala - Atrapalha. Tem enorme poder,
tanto o poder de entusiasmar, de criar futuros mais bacanas, como de deixar as
pessoas assustadas e paralisadas. Fala-se muito de tragédia, as pessoas não
sabem o que fazer, não fazem nada. Se a grande mídia mostrar que pode ser
criado um futuro desejável, da maneira que a pessoa quiser, que um mundo
sustentável e colaborativo não é um jeito mais chato de viver, porém mais
interessante, faria muito mais pela sociedade. Por enquanto, a mídia faz menos
do que poderia fazer, espera-se que ela acorde.
OP – Você fala que não é necessária
uma inovação de produtos, mas uma mudança de óculos, de cultura. Como seria
possível mudar o jeito de se relacionar com o mundo?
Lala - Por exemplo, para entender uma
das grandes mudanças vamos fazer um paralelo entre o hardware e o software.
Tudo o que é estrutura é como se fosse hardware, e o jeito de usar é o
software. No setor imobiliário, o jeito de morar é um software. O setor imobiliário
está construindo hardwares, mas em São Paulo, por exemplo, já existe quantidade
de moradias vazias que correspondem ao défict habitacional, e ainda assim
continuam construindo casas. E se em vez de construir produtos, a construtora
se dedicar a facilitar processos de usos de moradia? Como recuperar prédios,
como dividir casas muito grandes, como tornar as casas existentes moradias
melhores. Outro exemplo, da relação produto e processo é a biblioteca. Ela é o
hardware, não quer dizer que as pessoas vão ler os livros da biblioteca, mas
pensar um processo de estímulo à leitura, fazer com que ela fique aberta até de
noite, essa é relação produto e processo. Na indústria, se diferentes empresas
usarem a mesma estrutura, como acontece no celular que tem diferentes
aplicativos em um único aparelho. Na parte da manhã funciona uma empresa, de
tarde outra e de noite outra. Cada uma mantém seu conceito, design e isso é
muito legal.
OP - Esse modelo geraria menos lucro
para as empresas?
Lala – Será? Porque não é o
contrário? Eu tenho que manter meu equipamento sozinho, ou eu posso dividir
isso com mais dois. Eu ganho mais dividindo. É interessante! Dá para pensar a
sustentabilidade como ampliação possível pelo compartilhar. Um exemplo que já
acontece nos Estados Unidos e na Europa é com o carro. Quem tem carro usa de
duas a quatro horas por dia e o resto do tempo o carro está parado. Existe uma
tendência dos EUA e Europa em que ninguém compra o produto, faz uso
compartilhado desses carros. Eu parei meu carro no estacionamento, enquanto
isso, se alguém precisar pode pegar e usar. Tem um grupo de pessoas cadastradas
que podem usar o carro, então eu ganho pelo meu carro. A gente sempre acha que
precisa fazer mais coisas para usar. O que precisamos é pensar em como usar. Eu
preciso usar um carro, mas preciso ter um? Essa é a diferença da mentalidade do
futuro. Existem milhares de exemplos pelo mundo sobre uso compartilhado de
joias, bolsas de luxo, vale pra tudo. Isso que é mudança da cultura, fazer
novos processos.
OP – A base dessa teoria é economia
criativa, que também pode ser chamada de economia da abundância, do
criar...Qual é a definição ideal do termo?
Lala – Existem, de fato, muitas
definições. Uma das linhas das definições considera ainda alguns setores como
economia criativa, como a moda, design e a tecnologia. A que eu trabalho diz
que economia criativa é tudo aquilo cuja matéria prima é intangível e na
economia tradicional as empresas que trabalham com o intangível são as mais
rentáveis por isso eu chamo de economia da abundância. Porque no futuro
desejável existem quatro pilares, todos infinitos. O primeiro são os bens
intangíveis, aquilo que se multiplica. O segundo são as novas tecnologias, que
permitem que a gente trabalhe com intangíveis, porque existe um mundo real e
infinitos mundos virtuais. O terceiro é a forma de colaborar e de organizar as
coisas. São aqueles modelos colaborativos que citei e o quarto são as outras
formas de definir riqueza. Essa é a grande chave da economia do futuro.
OP – Como definir riqueza?
Lala - Riqueza são as relações
sociais. Isso é um patrimônio, algumas culturas como os japoneses têm a coisa
da colaboração mútua como um patrimônio muito valioso. Fica clara essa riqueza
quando você vê imigrantes sem nada, só com o intangível recomeçarem a vida em
outro lugar. Quanto mais fortes as relações, maior a capacidade de gerar outras
riquezas na cultura. A gente vê isso muito forte nos japoneses, árabes e
judeus. Eles se saem bem melhores porque confiam uns nos outros.
OP – O brasileiro, apesar de festivo,
não tem muita confiança no outro.
Lala - Concordo. Ter confiança em
alguém depende de confiança em si. A pior herança da colonização foi a de fazer
o brasileiro sempre achar que o santo de casa não faz milagre. Meu método de
trabalho acredita que santo de casa faz milagre. Imagina se aí em Fortaleza
vocês precisam de ar condicionado com esse vento constante? Mas em vez de as
pessoas estarem em ambientes de ar natural e luz, está todo mundo fechado. A
gente não reconhece nossas riquezas. O que falta é o capital social.
OP – Até que ponto esse futuro
desejável é utopia, qual o limite entre a realidade e o abstrato?
Lala - Dos futuros que estão no livro
80% poderiam ser realizados em oito anos, mas pressupõem mudança de prioridades
pessoais, governamentais etc. Por isso que é importante trabalhar a questão
cultural, a mudança de mentalidade. Mas não é impossível, estamos inspirados em
coisas que já existem. Muita coisa interessante já está acontecendo. Só falamos
em século XX, e pouco do século XXI. O desafio ambiental é grande, mas pela
primeira vez temos conhecimento, recursos e as possibilidades como nunca na
história da humanidade para resolver. Vamos fazer?
OP – Como da minha casa eu posso
começar?
Lala – A primeira coisa é confiar,
trabalhe a confiança nas coisas e nas pessoas. A confiança é a chave desse
mundo para o futuro, colaborar. O futuro é colaborativo e se você não fizer
isso junto, não consegue trabalhar.
Como
ENTENDA A NOTÍCIA
Em 2008, pelas mãos de Lala
Deheinzelin nasceu o movimento Crie Futuros, que estimula a criação de futuros
que possam ir além de cenários e nos libertem do conhecido, mergulhando no
campo do desejável.
SERVIÇO
Desejável Mundo Novo: Vida
Sustentável, Diversa e Criativa em 2042
Autora: Lala Deheinzelin
Baixe o livro em::
www.criefuturos.com
Paula Limapaulalima@opovo.com.br
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