Quem não entra pela porta é
ladrão e salteador
GESTÃO
PÚBLICA
O sermão do Bom Ladrão, pregado na Igreja da
Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655, pelo padre Antônio Vieira, é pródigo em
ensinamentos para gestores públicos, mormente em um Brasil ainda tão
patrimonialista. Também se mostra muito atual e oportuno para enxergarmos as
práticas políticas limítrofes da corrupção, ainda alinhavadas pelas agulhas dos
conchavos e dos interesses particulares se sobrepondo aos públicos.
Para as negociatas e os acordos dolosos ao bem
comum, efetuados entre quatro paredes, não há escusa. “Quem não entra pela
porta é ladrão e salteador”, diz o padre. Essa é a regra básica, de fundamento
ético, que tanto serve para ingressar no reino dos poderes públicos como para
avançar no campo da plena cidadania.
Quem assume um ofício público usando de artifícios
escusos e fraudulentos, no raciocínio do padre da retórica de fogo, é duas
vezes ladrão. Primeiro porque roubou o cargo, não entrando pela porta do
merecimento, comprou-o nas negociações; segundo porque, com o cargo comprado ou
roubado, vai roubar mais ainda, ou seja, roubou o cargo para roubar com o
cargo.
Portanto, aquele que entra pela porta do legítimo
merecimento e ocupa assento no recinto público não é ladrão. Poderá vir a
sê-lo, se desviar da ética republicana. Porém, aquele que entrou pelo telhado,
usando dos escusos instrumentos do suborno e do favor fisiológico, já é ladrão,
como o é, também, aquele que pulou a janela, usando a escada da amizade, do
parentesco, do apadrinhamento nepotista. São graus distintos de uma mesma
doença: a corrupção.
Na linguagem própria do século XVII, Antônio Vieira
falava de negociação como prática corrupta usurpadora do bem público. Aquele
que negocia sua liberdade política e sua consciência cívica e moral no balcão
das eleições, vendendo o voto, também não deixa de ser um pequeno ladrão, por
estar roubando um bem que não é dele: a cidadania. É a negociação entre o
grande e o pequeno ladrão. Só a transparência da democracia fará do 'ladrão
oculto', nos labirintos da negociação, um 'ladrão descoberto'.
Aos gestores públicos brasileiros cabe sempre o
conselho do padre Antônio Vieira: se os reis não levarem consigo os ladrões ao
paraíso, esses os levarão ao inferno.
Luiz
Carlos Diógenes de Oliveira
Diretor
do Sintaf-CE
Jornal
de Hoje /Opinião/ artigo 22/10/2012
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