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A Cultura da não-aula



Artigo
A cultura da não-aula
André Haguette31 Out 2009 - 21h12min
Fui gentilmente convidado para participar de uma reunião de reflexão sobre os resultados do Paic (Programa Alfabetização na Idade Certa) que a secretaria de Educação do Estado e municípios cearenses desenvolvem. A meta do programa é singela, mas revolucionária no Ceará e no Brasil: alfabetizar as crianças aos sete anos, no final, portanto, da 2ª série do ensino fundamental. Essa meta, é bem verdade, é bastante conservadora para crianças da classe média alta que frequentam escolas particulares de ponta. A família já se encarrega da alfabetização desde os quatro anos de idade. Mas, como todos nós sabemos, a meta é audaciosa, mas realista, para crianças da escola pública que não encontram o necessário apoio psicológico e intelectual nem em casa nem na escola. Sabe-se que nossa escola pública produz uma enormidade de crianças analfabetas: entre crianças com nove anos e que estão na escola, o índice de analfabetismo absoluto é de 7%. O analfabetismo é exclusivo de famílias com renda de até dois salários mínimos per capita e ocorre muito mais no Nordeste (15%) que no Sul (2%). Como se vê, o problema não é de deficiência intelectual, mais consequência de deficiência econômico e social, portanto é reversível. E quais são os resultados do Paic em dois anos de execução? Para fins de avaliação e análise foram estabelecidos cinco níveis de competência: desejável, suficiente, intermediário, alfabetização incompleta, não alfabetizado. A péssima notícia é que somente 30,8% das nossas crianças atingiram, em 2008, o nível desejável e 20% das crianças continuam não alfabetizadas. Os piores resultados ocorrem em escolas multisseriadas localizadas em lugar de difícil acesso. A boa notícia é que em dois anos do projeto houve uma melhoria; a proficiência média dos alunos passou de 118,9 pontos para 127,8 pontos. É pouco, mas é um progresso. Boa nova também é que nove municípios atingiram o conceito desejável na média geral de seus alunos: Cruz, deputado Irapuan Pinheiro, Groaíras, Independência, Itaiçaba, Jijoca de Jericoacoara, Mucambo, São Gonçalo do Amarante e Sobral. O resultado mais alvissareiro, todavia, é que dois municípios, Abaiara e Mauriti, conseguiram passar do pior nível (não alfabetizado) para o primeiro, desejável, e isso em apenas umano. O que 11 municípios podem fazer por que os outros não poderiam, inclusive Fortaleza que continua marcando passo? Mas o que mais me impressionou nesse encontro foi o diagnóstico unânime dos responsáveis pelo programa, pessoas competentes, dedicadas e informadas, já que visitam regularmente os municípios. Para eles, o grande obstáculo à alfabetização das crianças é, como conceituou uma delas, “a cultura da não-aula” e uma das interrogações mais cruéis é: que estratégias são necessárias adotar para o cumprimento efetivo dos 200 dias letivos e das quatro horas pedagógicas diárias nas escolas? Como reverter uma situação em que o tempo letivo não é respeitado por ninguém, nem prefeitos, nem secretários de educação, nem pais, diretores, professores e nem o ministério público. A cultura é de não ter ou não dar aulas e ninguém se incomoda com isso, ninguém reclama e ninguém é punido. O que aconteceria se uma escola privada passasse a ter somente duas horas de aula por dia? Como alfabetizar se há pouco tempo pedagógica na sala de aula? Um dos participantes da reunião, o professor Joan Edesson, chegou a fazer uma proposta, diz ele, revolucionária: “Eu defendo a ampliação da jornada escolar para quatro horas por dia e 200 dias ao ano” (e eu, que defendo a jornada escolar de dois turnos, fiquei calado, entendendo que de fato seria uma revolução se a escola pública fundamental e média ensinasse quatro horas por dia, durante 200 dias por ano. É lei. Deve ser cumprida. Contra ela, há toda uma cultura generalizada de não-aula. O Paic acerta, também, quando trabalha para construir uma cultura de gestão escolar focada nos resultados da aprendizagem, com metas coletivamente tomadas em cada município e cada escola. O fato é que: sim, as crianças podem ser alfabetizadas aos sete anos e os municípios podem alfabetizá-las até o final da 2ª série. Basta querer e tomar as medidas necessárias. ANDRÉ HAGUETTE Sociólogo haguette@superig.com.br

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