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Assustando a corrupção

FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE

Debates e ideias

 08.09.2013


Assustando a corrupção


Certo dia, Adonias se enfeitiçou por uma filha de Iansã, foi pra Salvador e escreveu que não voltaria mais. Eu entrei em desespero e jurei não me envolver com mais ninguém - com a ajuda de Deus, criaria o meu filho! Meses depois houve o concurso da Polícia Militar e fui aprovada. Após a fase de treinamento, fui destacada para o patrulhamento na Beira-Mar, em dupla com um colega, quase sempre de manhã. Ali, as pessoas que caminhavam ou corriam, eram rostos anônimos, pouco a pouco tornados familiares.
Com o tempo percebi que um senhor olhava demoradamente para mim. Até então, nenhum bom-dia, nenhum aceno onde minha intuição enxergava carência e solidão.

Veio o Dia Internacional da Mulher e ele me surpreendeu com um ramalhete silvestre. Eu timidamente agradeci, sob a ironia leve do colega. Sem saber o seu nome, a partir daí os bons-dias se sucederam de maneira formal.
No Dia dos Namorados, passou apressado e deixou um cartão com um pequeno embrulho. Tamanha a surpresa, foi tudo tão rápido, eu nem pude recusar. Havia o número do telefone e um anel. À noite, liguei hesitante e agradeci. Dias depois nos encontramos. Ele era viúvo e não queria mais viver sozinho.
Esperei o tempo de Deus e nos casamos. Vicente é engenheiro, eu deixei a Polícia e me formei em contabilidade. Trabalho no seu escritório de projetos e somos uma família normal. O meu filho estuda arquitetura e o tem como um verdadeiro pai. Nós conversamos bastante e estamos indignados com a situação atual. Assim, participamos ativamente das últimas manifestações.
Numa delas, estivemos à frente da multidão, eu entre Vicente e o meu filho, braços dados a universitários, secundaristas e profissionais liberais.
À entrada do prédio, havia uma barreira policial, porém ex-colegas me reconheceram e nos deixaram avançar. Na tribuna um demagogo homenageava um vagabundo qualquer.

Não sei como, mas logo atrás de nós surgiu um grupo de mascarados fortões trazendo barra de ferro, corrente e soco-inglês. Foi uma correria geral.

No plenário, em pânico, o velho corrupto desmaiou. Outro, sob a ameaça de um porrete, jurava defender o povo desde o tempo de líder sindical. O secretário elegante teve um chilique, caiu nos braços do enrustido e os dois fugiram para o banheiro das mulheres. Uma gorda se escondeu embaixo da mesa e pareceu sufocada. O histriônico se borrou todinho e a grande liderança ficou toda urinada.
De tão hilariante o espetáculo, o pessoal nada quebrou e se sentiu vingado. Saímos rapidamente pela porta dos fundos e a PM fez de conta que ia atrás. Dei um tchauzinho pros ex-colegas e a massa iniciou o Hino Nacional.
Ninguém parava de rir e Vicente era só felicidade: ele é de sessenta e oito, participou da passeata dos cem mil e ainda não perdeu as ilusões.
Demóstenes Ribeiro

Cardiologista clínico

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