O POVO- Jornal de Hoje
TENDÊNCIAS- ENSAIO
06/01/2013
Democracia
contemporânea: cidadania participante
Fortaleza
assistiu há poucos dias à primeira manifestação local e concreta da democracia
participativa, tal como prevista em sua Lei Orgânica Municipal (LOM). Tratou-se
do acionamento do instrumento do veto popular por cidadãos preocupados com a
depredação da área destinada ao Parque do Cocó. De acordo com a iniciativa,
ficam proibidas edificações de obras de interesse privado em todo o território
da reserva ambiental do Cocó.
Questões como a construção do
Aquário; a utilização da área da Praia Mansa; a nova ponte sobre o rio Cocó
(que afetará o meio ambiente); a definição de uma vez por todas da data
aniversária de Fortaleza; a gratuidade dos estacionamentos públicos; a proibição
de circulação de veículos particulares no Centro histórico e tantas outras
questões já formam um respeitável elenco de decisões à espera da manifestação
direta do cidadão fortalezense, ou do cearense, em geral. Outras,
inevitavelmente surgirão, à medida que grandes intervenções públicas ou
privadas tragam conflitos de interesses lesivos à coletividade.
O veto popular, assim como a
iniciativa legislativa popular, o referendo e o plebiscito são mecanismos
destinados a viabilizar a intervenção direta do cidadão na vida política e
administrativa, correlatamente com as instâncias formais do poder. Sua
fundamentação está no Art.1º.§ Único da Constituição Federal: “Todo poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição”. O termo “diretamente” institui a democracia participativa,
ou direta. Apesar de previstos na Carta Magna, esses instrumentos têm tido sua
efetivação procrastinada nos três níveis de poder: municipal, estadual e
federal. No entanto, o futuro da democracia depende de suas implementações.
Chegou a hora, a partir do município
(laboratório por excelência para o teste das novas formas institucionais) de se
recorrer mais a esses instrumentos. Dessa forma, o cidadão se sentirá mais
motivado a participar da vida política e a assumir, corresponsavelmente, os
resultados de suas próprias opções políticas. Tomando parte nas decisões
administrativas, poderá melhor defender os interesses da coletividade e será
levado também a conhecer por dentro os limites orçamentários e a selecionar as
prioridades, de forma a otimizar a utilização do dinheiro público. Da parte do
gestor realmente comprometido com o interesse público, compartilhar
responsabilidades será um alívio, pois a própria comunidade terá noção dos
limites da administração e aprenderá a fazer cobranças realistas.
Longe de ser uma coisa de outro
mundo, esse procedimento é mais do que secular, na Suíça, e comumente utilizado
em outros países. Isso acontece, também, em 12 estados da federação americana.
Nos EUA, costuma-se aproveitar as eleições convencionais para acoplar
plebiscitos e referendos sobre questões locais, inclusive o plebiscito
revogatório de mandato (recall). Com isso, dá-se vitalidade à democracia que,
na sua forma exclusivamente representativa, está quase totalmente esvaziada
pelo formalismo da representação. O eleitor não se sente, de fato, representado
e se frustra, cada vez mais, com a atuação autônoma de seus representantes e
pela percepção de que as decisões reais passam longe das urnas.
Por que não podemos fazer o mesmo,
aqui, pondo em prática a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei
Orgânica Municipal, que preveem a democracia participativa? Desde já, é preciso
estabelecer o princípio de que projetos polêmicos - sobretudo os que causam
forte interferência na vida de uma comunidade e dividem opiniões - devem ser
levados à consulta direta dos cidadãos. Depois da urna eletrônica, não há
dificuldade técnica em colher o voto do eleitor. Para diminuir os custos das
consultas, estas podem ser preferencialmente (mas não exclusivamente) acopladas
às eleições convencionais, realizadas a cada dois anos, no Brasil. É preciso
fazer disso uma rotina.
Com isso, cria-se a cultura
participativa, cujo desenvolvimento redundará na afirmação da cidadania
atuante, proporcionando, simultaneamente, a revitalização do próprio regime
democrático. Só assim poderemos ter cidadãos plenos, inteiramente responsáveis
pelo destino de nossa Cidade, de nosso Estado (pois esses instrumentos também
precisam ser acionados no âmbito estadual) e de nosso País.
Não há mais tempo a perder, visto que
essa forma contemporânea de democracia jaz como letra morta, há um quarto de
século (a Constituição fará 25 anos este ano), impedida de ser efetivada pela
resistência interesseira dos que temem perder o monopólio decisório em
consequência do arejamento político e administrativo trazido pelo cidadão
consciente e participante.
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