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A realidade nua e crua


o povo
coluna- FÁBIO CAMPOS 
19/05/2013

A realidade nua e crua

Tudo o que já escrevi sobre insegurança pública não tem um décimo da força e do impacto contido em relatos como o que se segue. O texto é de autoria de um professor que trabalha em escolas públicas de Fortaleza. É a absurda realidade. Nua e crua. Omito o nome do professor.
Tenho acompanhado com atenção sua coluna e considero de extrema pertinência o destaque com que o senhor tem abordado o tema violência, problema este que nos aflige e hoje ocupa nossas maiores preocupações. Sou professor de escolas públicas. Vivencio na periferia o cotidiano de bairros marcados pela violência em seu nível mais extremo.

Uma das escolas em que leciono situa-se no bairro Vila Velha. Nela, alunos e funcionários, por morarem no bairro, fazem diariamente relatos de atrocidades que ocorrem na vizinhança. Atos praticados com o mais puro requinte de crueldade. Relatam, porém, com um misto de assombro e de euforia, se não com deleite.

Vale dizer que o caso assusta não só por se tratar de homicídios, mas pela forma como estes são praticados; assombra também a reação que desperta nos adolescentes e até nos adultos, comprovando a banalidade com que tratam a vida, a morte, a violência em si.

Durante o ano de 2012, tivemos 4 alunos entre os 32 jovens mortos no bairro. Já outros dois ou três, perdemos pelo motivo oposto, ou melhor, por terem cometido os assassinatos. Este ano não está sendo muito diferente.
Várias mortes já ocorreram, trocas de tiros são frequentes, a qualquer hora do dia.

Recentemente, duas ocorrências ganharam destaque: um rapaz de 22 anos foi encontrado na rua, morto. Cortaram-lhe a língua, costuraram-lhe a boca e furaram-lhe os olhos. O mais terrível é que, segundo relatos, a perícia constatou que esses detalhes sórdidos foram praticados com a vítima ainda viva. Poucos dias depois (06/05), a resposta veio com outra cena bárbara: em vingança, um rapaz fora degolado e jogado num terreno baldio, de um lado o corpo, do outro a cabeça.

A outra escola situa-se no bairro Floresta, nos arredores da lagoa do Urubu. Lá, não é novidade quando interrompemos nossas aulas por conta do barulho de tiros, muitas vezes na frente da escola. Nós, professores, não podemos pegar o ônibus que para bem do lado do colégio; vários professores já foram assaltados ou sofreram tentativa de assalto, grupo em que me incluo; colegas já foram até impedidos de trabalhar em determinado turno, por conta de ameaças.

Mas já tivemos dias piores. Final de 2011, por exemplo, por dois meses, acompanhamos uma sequência de mortes de alunos e ex-alunos. Em 2012, passamos por vários sustos. De repente, explosões de fogos de artifício faziam-nos crer que havia comício de algum candidato. Na verdade, tratava-se de uma comemoração pela morte de um desafeto; noutro dia mais fogos, e já sabíamos o motivo.

A abertura do ano letivo 2013, dia 26 de março, foi interrompida e os portões fechados às pressas, por conta de uma troca de tiros ocorrida na porta da escola. O porteiro apressou-se em correr e fechar os portões. Depois continuamos, tensos, alguns nervosos, todos imaginando no que poderia ocorrer no dia seguinte. O ano estava apenas começando.
Caro jornalista, por medo decidi redigir e enviar-lhe esse texto. Não o fiz por denuncismo nem com intenção de ganhar destaque. Apenas senti a necessidade de publicizar a realidade que todo professor da rede pública enfrenta no dia a dia. Uma realidade que nos impõe medo, insegurança, doenças psicológicas e até o desejo de abandonar o magistério”.

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