125x125 Ads

Um herói, um tempo


opinião
diário do nordeste

DEBATES E IDEIAS
03.03.2013




Um herói, um tempo



Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro, depois de longa viagem, o Brasil já estava na guerra. Desempregado, me alistei voluntário e sonhava retornar como herói. Stalingrado, Normandia, Monte Castelo e Montese não me saíam da cabeça. A toda hora eu me via triunfal entrando em Berlim com o Exército Vermelho e atirando no nazismo o disparo final. Logo a guerra acabou e arranjei trabalho. Comecei como aprendiz de mecânico e, vagando pelos cabarés da Lapa, conheci João Cândido, o navegante negro, um mito entre os boêmios do lugar. Mas, o sonho agora era voltar pra casa.

Um dia, voltei. O lugar quase não mudara, o campo ia invadindo a cidade e a miséria continuava. Alguns coronéis espertos e seus descendentes brigavam pela prefeitura. Desde aquela época, roubar o dinheiro público era um bom negócio. E fui recebido com admiração inesperada. Não me fizeram perguntas, pareciam saber tudo a meu respeito.

Envolveram-me com uma aura imerecida e que eu não entendia muito bem. Vai ver, alguém espalhou que eu lutara na Itália, matara alemães e trouxera uma máuser como troféu.

Sossegado, eu vivia de pequenos trabalhos na oficina e no aniversário do município ou no Sete de Setembro, estava à frente do desfile com a farda de ex-combatente e a minha pistola. Era um tempo democrático. Pelo rádio de pilha e pelo jornal "Novos Rumos" ouvi falar da Revolução Cubana e de justiça social. Outros também ouviram e formamos um pequeno grupo. Nos dias de feira, eu, Aéri, Zé Cadete... A gente reunia alguns trabalhadores e conversava sobre liga camponesa, reforma agrária, salário e carteira assinada. A vibração foi grande quando Jânio renunciou e Brizola garantiu a posse de Jango. O socialismo parecia perto e, no delírio, não enxergamos a marcha da reação.

Veio o golpe militar e tudo mudou. Segundo delatores e oportunistas, nós e outros camaradas daríamos apoio aos guerrilheiros da serra do Araripe. Quando eles chegassem, o prefeito e o delegado, o padre e o juiz, o sacristão e as beatas mais fanáticas não escapariam do paredão. Fui preso, tomaram a minha máuser e nunca mais eu pude desfilar. Agora, Prestes está morto, Cuba agoniza e a União Soviética não há mais. No entanto, a miséria sertaneja, as favelas, a violência urbana provam que eles não venceram e o curso da história é implacável: cedo ou tarde, o socialismo democrático vingará.

Não sou nem fui herói. Mas, se não me perguntaram, por que destruir a fantasia de quem é dono tão somente de ilusões? Na verdade, jamais estive na Itália, nunca mataria alguém e aquela pistola eu comprei de um velho malandro na Praça Mauá.

Demóstenes Ribeiro

médico e professor 

0 comentários:

Postar um comentário

 

Copyright © 2010 • MARACANAÚ REFLEXIVO • Design by Dzignine