WALCYR CARRASCO
Transexuais, travestis & preconceito
Uma noite, há muitos anos, conheci o travesti Rogéria na casa de um
amigo. Eu morria de vontade de fazer perguntas sobre sua vida, como
todos os outros na sala. Mas ninguém queria ser indelicado. Até que uma
atriz, famosa na época, pediu:
– Eu posso apertar seu seio? Queria saber como é.
Simpática, Rogéria concordou. A atriz espetou o dedo. E disse:
– É igual o de qualquer mulher que bota silicone.
Que novidade! Silicone é silicone. Veio a descontração. Conversamos
durante horas. Rogéria falou sobre sua vida, de maneira fascinante. Era,
então, o único travesti celebridade, que fez até novela de televisão.
Mais tarde, Roberta Close teve seu momento. Fez sucesso até na capa da
revista Playboy. Francamente, nunca entendi por que se tornou
um padrão de beleza feminina. Certa vez a conheci num restaurante
frequentado pela classe teatral. Tinha mãos enormes, pés idem. Alta. Um
homão!
Embora um ou outro travesti ou transexual se destacasse, era sempre uma
curiosidade. Na vida artística há sempre uma prateleira para o exótico,
e era lá, no máximo, que eles ficavam. A maioria absoluta vivia de
prostituição. Aos poucos, algo está mudando. Travestis e transexuais
começam a integrar-se no mercado de trabalho. Há alguns anos, um amigo
me contou sobre um travesti aprovado num concurso público. Ao
apresentar-se, veio o grande problema da repartição: que banheiro
usaria? Enquanto héteros se digladiavam, ela assumiu tranquilamente seu
posto. (Entre nós, a questão do banheiro é discutida até hoje!)
O maior exemplo de sucesso atual é a modelo trans Lea T., nascida
Leandro. Criada na Itália, quando seu pai, o ex-jogador Toninho Cerezzo,
jogava por lá, ocupa um glamouroso lugar na alta moda internacional.
Fez campanhas para a grife Givenchy, posou para a Vogue, deu
entrevista para Oprah Winfrey, desfilou na última Semana da Moda de
Milão. O exigente mundo fashion a aceita plenamente. Aqui no Brasil,
pela primeira vez, neste ano, um travesti conquistou o doutorado. Foi
Luma Oliveira, na Universidade Federal do Ceará. Filha da agricultores
paupérrimos, Luma conseguiu estudar, trabalhou como professora e agora
prepara-se para o pós-doutorado. As últimas eleições trouxeram
surpresas. Em Piracicaba, interior de São Paulo, o travesti Madalena
elegeu-se vereadora com a segunda maior votação da cidade, pelo PSDB.
Cozinheira e faxineira, Madalena também é líder comunitária de seu
bairro. Carla Ziper também foi eleita vereadora em Presidente Venceslau,
São Paulo, pelo PDT. É professora do ensino médio, tem formação
superior e em sua plataforma eleitoral pretende “gerar empregos”. Ambas
seguem o caminho aberto por Katia Tapety, primeiro travesti eleito como
vereadora, em 1992, na cidade de Colônia do Piauí, a 388 quilômetros de
Teresina. Katia foi vice-prefeita em 2004. Já mereceu um filme contando
sua vida.
Travestis e transexuais são diferentes em essência. Transexuais sentem
ter nascido num corpo “errado”. O ato de se travestir implica não perder
a identidade masculina. O travesti pode ter corpo de mulher, mas não
quer se “operar” e perder o pênis. A dificuldade de aceitação tanto de
um como de outro é enorme. Muitos pais de classe média e alta expulsam
filhos ao descobrir sua identidade. A própria Katia Tapety foi
“escondida” em casa até a adolescência. No mercado internacional de
filmes pornô, o Brasil é um grande fornecedor de títulos com “bonecas”,
como afirma o livro Nas redes do sexo, de Maria Elvira
Diaz-Benitez. O sucesso dos travestis nacionais tem um motivo cruel.
Garotos de lares de baixa renda tomam hormônios no início da
adolescência. Saem para as ruas cedo e até sustentam a família. Os
hormônios precoces estimulam o desenvolvimento de traços femininos, fato
que não ocorre em países com melhor proteção ao menor.
Os próprios travestis e transexuais já se organizam. Bárbara Aires
chegou a diretora da Associação de Travestis e Transexuais do Rio de
Janeiro (Astra). Prostituía-se para viver. Neste ano, conseguiu trabalho
como produtora no programa Amor&Sexo, da TV Globo. Mudou
de vida. E lidera a luta pela abertura de oportunidades de trabalho.
Acredito que travestis e transexuais ocuparão, em tempo relativamente
curto, empregos como qualquer outra pessoa. É um preconceito que começa a
acabar. Por enquanto, o movimento é tímido. Mas não é assim que se
iniciam as grandes transformações?
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